Art-Science-Technology: Curatorial Strategies in FACTORS

"O artigo Art-Science-Technology: Curatorial Strategies in FACTORS, de autoria da pesquisadora Nara Cristina/UFSM, foi publicado no ARTECH 2019-ACM Digital Library". 

https://dl.acm.org/doi/proceedings/10.1145/3359852


RESUMO

O Festival de Arte de Ciência e Tecnologia exibe desde 2014 a produção contemporânea de artistas ibero-americanos e suas pesquisas estabelecidas e emergentes dos últimos anos, através de uma curadoria compartilhada. Para cada edição dos FACTORS, o argumento curatorial tem como desafio uma conceção transdisciplinar, como arte digital, arte computacional, arte e robótica, arte e natureza, arte e sustentabilidade. O evento colabora para pensar a noção política de pertencimento cultural, local e global, no campo da arte contemporânea.

PALAVRAS CHAVE

Arte-Ciência-Tecnologia, Arte Contemporânea, Curadoria, Transdisciplinar

ABSTRACT

The Science and Technology Art Festival has been exhibiting since 2014 the contemporary production of Ibero-American artists and their established and emerging researches from recent years, through a shared curatorial. For each edition of the FACTORS, the curatorial argument has as a challenge a transdisciplinary conception, such as digital art, computer art, art and robotics, art and nature, art and sustainability. The event collaborates to think about the political notion of cultural belonging, local and global, in the field of contemporary art.

KEYWORDS

Arts-Science-Technology, Contemporary Art, Curatorship, Transdisciplinary

1 Festival

O FACTORS, Festival Arte Ciência e Tecnologia, surge como uma demanda das atividades de ensino, pesquisa e extensão do LABART - Laboratório de Pesquisa em Arte Contemporânea, Tecnologia e Mídias Digitais, no CAL - Centro de Artes e Letras, da UFSM - Universidade Federal de Santa Maria. O evento tem como objetivo promover, fortalecer e divulgar a produção na área através de exposições, obras e artistas que tratam da concepção de transdisciplinaridade. Os artistas investigam outras linguagens, teorias e tendências em arte, ciência, tecnologia, ao mesmo tempo em que os historiadores, críticos e curadores pesquisam outras estratégias curatoriais, práticas expositivas, dispositivos expográficos, e entrecruzamentos teóricos desta produção na arte contemporânea. O FACTORS expõe, desde 2014, obras e projetos de artistas brasileiros e, desde 2016, também de ibero-americanos, destacandose argentinos, venezuelana, mexicanos e portugueses, todos com pesquisas consolidadas ou emergentes, que contribuem para questionar o campo da arte. Nesse sentido o evento pode colaborar para pensar a noção política de pertencimento cultural, local e global, na contemporaneidade, desde o sul da América Latina. Os artistas convidados têm suas obras selecionadas através de uma proposta de curadoria compartilhada, que funciona desde a primeira edição do Festival, entre pesquisadoras seniores e pesquisadores em formação no PPGART/UFSM - Programa de Pós-graduação em Artes Visuais/Mestrado e Doutorado, linha de pesquisa Arte e Tecnologia, na ênfase em História, Teoria e Crítica. Desde a quarta edição conta somente com duas curadoras, uma brasileira da UFSM e outra argentina da Maestría em Artes Electrónicas da UNTREF, Universidad Tres de Febrero, ambas pesquisadoras na área , e mestrandas e doutorandas como assistentes curatoriais. No Festival, o argumento curatorial tem como desafio uma concepção transdisciplinar a partir da qual se propõe um conceito que perpasse e problematize questões em torno da arte-ciênciatecnologia a cada exposição, para tratar, entre outras produções, da arte digital, arte computacional, arte e robótica, arte e natureza, de modo a dialogar, mais recentemente, com a sustentabilidade.

2 Curadoria e Transdisciplinaridade

 

A curadoria na arte contemporânea se tornou amplamente reconhecida como uma profissão significativa, presa nos impulsos centrais da vida contemporânea, mas também capaz de oferecer interpretações surpreendentemente originais das complexidades e contradições de nossa contemporaneidade. [14]

 

Muitas vezes a curadoria aponta questões complexas, não necessariamente difíceis de resolver, mas sempre provocadoras de novas estratégias em arte, ciência e tecnologia. Para as propostas curatoriais do Festival, as técnicas e tecnologias se configuram como propulsoras das poéticas artísticas eletrônicas, digitais ou computacionais. Já na ciência, como promotoras de poéticas híbridas, para ampliar os questionamentos da natureza, biologia, e da neurociência na arte.

As diferentes linguagens ou tendências artísticas que decorrem destas poéticas também se apropriam e se constituem através do semivivo, do vivo e natural, tanto quanto do virtual, do robótico e artificial, atravessadas pela concepção transdisciplinar. Nesse sentido, este atravessamento propicia as curadoras o compartilhamento, as conexões e redes para produção de conhecimento em torno de um argumento curatorial sempre fundado em um conceito distinto.

No 1º Congresso Mundial sobre Transdisciplinaridade, realizado no Convento da Arrábida, Setúbal/Portugal, em 1994, se apresenta e se discute a Carta da Transdisciplinaridade, dos autores Basarab Nicolescu, Edgar Morin, e Lima de Freitas. Desta carta, dois artigos podem ser destacados:

 

Artigo 3: A Transdisciplinaridade é complementar da aproximação disciplinar; ela faz emergir da confrontação das disciplinas novos dados que as articulam entre si e que nos dão uma nova visão da natureza e da realidade. A Transdisciplinaridade não procura a dominação de várias disciplinas mas a abertura de todas as disciplinas ao que as atravessa e as ultrapassa. (...) Artigo 5: A visão transdisciplinar é deliberadamente aberta na medida em que ela ultrapassa o domínio das ciências exatas pelo seu diálogo e a sua reconciliação não somente com as ciências humanas mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior

 

A concepção transdisciplinar é entendida neste artigo no seu diálogo e reconciliação com a arte, como ‘além do campo, fora do campo, outro campo’, e pressupõe disciplinas que cooperam entre si, além e através delas mesmas, para um projeto comum que gera unidade, ainda que complexa, no resultado. Portanto, compreendese a prática transdisciplinar não apenas como um modo de organizar o conhecimento a partir de diferentes disciplinas para constituir um pensamento sistêmico, mas também como um modo de se deixar atravessar, na produção em arte-ciência-tecnologia, por uma ação complexa.

Quando Obrist [8] (p. 188-192) se aproxima em 1993 de um fórum interdisciplinar que reunia neurocientistas, arquitetos, artistas e curadores, começa a conectar as artes e as ciências ao seu trabalho curatorial. Para ele, entrar em contato com mundos diferentes para conectá-los significava ir além do medo e acúmulo de conhecimento.

Nesse sentido, o curador também como um pesquisador na área da arte ‘parte de seu lugar de investigação’ e pode estabelecer um vínculo com pesquisadores de outra área, cujo trabalho, processo e resultado da investigação apontam questões que não pertencem mais a nenhuma das áreas, mas ao que se constitui para além delas, ou seja, um campo de conhecimento transdisciplinar em constante emergência. Estas experiências de conexão entre distintas áreas e disciplinas podem gerar outros desafios para aqueles que atuam na área da história e teoria, crítica e da curadoria da arte.

Walter Zanini [3] (p.79-80) afirmava que, já na década de 1960, a história da arte passa a ser mais transdisciplinar, conjugando outras disciplinas como a sociologia e a psicologia. Mas é somente com as novas mídias na arte, quando a obra única dá lugar aos dispositivos, aos vídeos, filmes, fotos, e quando a questão do espectador também é repensada de alguém mais passivo para exercer uma interação, que começa a surgir a relação entre o historiador da arte e as linguagens eletrônicas. A história da arte pode, então, para ele, se constituir a partir das exposições, e acomodar práticas artísticas intermédias e de escopo transdisciplinar.

A transdisciplinaridade é, portanto, a concepção que perpassa todo argumento curatorial do Festival, não como uma defesa de ideia das curadoras, mas como uma definição, ela mesma, de um conjunto de pesquisas realizadas, em laboratórios e grupos de pesquisa institucionais, que fundamentam tanto as exposições em arteciência-tecnologia, quanto uma prática reflexiva. Neste sentido, a história da arte continua a ser contada a partir de exposições e de eventos, e também dos discursos dos curadores, que contribuem para uma história emergente da arte contemporânea.

 

Segundo Glicenstein [5] (p. 180), o discurso dos curadores é exercido em três níveis: o projeto curatorial, texto e catálogo, em que pode se apresentar uma posição pessoal; a prática curatorial na organização da exposição, em que pode ser considerado autor; e, a posição do curador no mundo da arte, em que se evidencia a relação que tem sua atividade com artistas, críticos, mercado e instituições.

 

Sobre a posição das curadoras no FACTORS, poderia se pensar que há um discurso prévio de afirmação da produção em arte-ciênciatecnologia na contemporaneidade. Mas o que se afirma, a cada edição do Festival, é um desafio como estratégia curatorial, a partir da concepção transdisciplinar e da curadoria compartilhada, ao propor um conceito problematizador para pensar esta produção, como por exemplo, neurociência, bioarte, luz/energia. As curadoras buscam discutir questões emergentes de cada conceito, artistas e obras significativas para o Festival, assim como contribuir para outras demandas da exposição, tanto teórico-críticas, quanto prático-expográficas.

Conforme Paul [9] (p.38-43), os modelos de curadoria de novas mídias estão relacionados aos aspectos práticos e técnicos do trabalho de um curador, e são elas: o modelo interativo, o modelo modular, o modelo distributivo.

Quando entendidos no amplo campo da arte e tecnologia, estes modelos podem estar presentes de modo geral em uma ou outra curadoria de Festivais na área, e de modo particular em relação a alguns artistas e obras. Mas há outros aspectos que surgem em relação à curadoria em arte-ciência-tecnologia naquilo que diz respeito a natureza e a sustentabilidade, por exemplo, que demandam ampliar o estudo destes modelos.

3 Estratégias Curatoriais do FACTORS

O FACTORS apresenta obras, projetos e trabalhos em processo, na sua maioria também transdisciplinares, sejam individuais, compartilhados ou colaborativos, feitos por artistas consolidados, bem como artistas emergentes, geralmente com apoio de profissionais de outras áreas do conhecimento. O campo da arte contemporânea abrange todo tipo de produção artística, desde as linguagens mais tradicionais até as mais inovadoras em torno das tecnologias atuais, todas convivendo no mesmo espaço-tempo histórico. Portanto, é compreensível que a dedicação e estudo das curadoras sobre as obras e projetos com novos dispositivos em arte-ciência-tecnologia, que se propõem transdisciplinares, demandam um empenho à parte, no projeto, na prática, e no discurso instigador desta produção.

Figura 1: Marca do FACTORS na sua sexta edição em 2019. Fotografia: LABART/UFSM

Figura 1: Marca do FACTORS na sua sexta edição em 2019. Fotografia: LABART/UFSM

O projeto curatorial de cada edição é elaborado em conjunto a partir de um argumento conceitual que, atravessado pela concepção de transdisciplinaridade, possibilita discutir e ser discutido a partir de cada obra. Os artistas são convidados e apresentadas as obras e propostas de trabalho, iniciam-se três frentes de atividades: uma em torno do texto e discurso curatorial, cuja elaboração acontece previamente à exposição; outra voltada para a expografia e design expográfico, cuja ação ocorre antes e durante a montagem da exposição. Inclui a equipe de montagem que também atua durante o Festival, no que diz respeito a manutenção da mostra. E, a terceira, da mediação, que acompanha as atividades anteriores para atuar durante o FACTORS.

Mas são, a curadoria e a expografia que atuam em conjunto para uma prática que em geral também é problematizada, tanto por questões teóricas quanto tecnológicas. Algumas obras e projetos são desenvolvidos no local do Festival, adequados as condições de exibição ou promovedores de novos espaços expositivos. Nesse sentido, a atuação das equipes também se apresenta como um desafio, considerando que os locais não atendem necessariamente as especificidades das mostras.

3.1 Arte Digital (humano e maquínico)

Na primeira edição do FACTORS, a curadoria compartilhada traz a concepção abrangente de arte, ciência e tecnologia digital, para pensar e discutir que, independentemente das técnicas ou tecnologias envolvidas, os artistas contribuem para redimensionar questões importantes no que diz respeito a estética, o humano, o maquínico e o social na arte contemporânea. Os diferentes modos expositivos, assim como as especificidades das obras e projetos em arte digital, possibilitam, nesta e nas edições posteriores, experiências distintas para o público, desde a participação, interação e interatividade.

Figura 2: Sonografia (2014), Fernando Codevilla (Brasil) Fotografia: LABART/UFSM

Figura 2: Sonografia (2014), Fernando Codevilla (Brasil) Fotografia: LABART/UFSM

O Festival inaugura em 2014 na Sala Cláudio Carriconde CAL/UFSM com as seguintes obras e artistas: Objeto tecnopoético (2014), instalação interativa de Alberto Semeler; Ampulheta (2014), software arte de Andrei Thomaz; Onde está a arte (2012) e Dai-me paciência (2013), gamearte de Anelise Witt; Lembro (2014), foto e vídeo de Carlos Donaduzzi; Deliberator (2014), objeto 3D de Fábio Fon e Soraya Braz; Sonografia (2014), arte sonora de Fernando Codevilla; Human Nature (2008), videoarte de Henrique Roscoe; Flor da Ilha Formosa (2011), instalação sonora de Jarbas Jácome; Ultrapasse a cena do crime (2014), gamearte de Marcos Cichelero; O Artista Estah Presente (2013), teleperformance de Mimo Steim; e, Variações Numéricas (2008-2014), instalação interativa de Tania Fraga. Exibição em homenagem à artista da obra Mata: 200 milhões de anos (2011), instalação interativa e nanoarte de Anna Barros.

3.2 Arte Digital (labirinto e espaço-tempo)

Para a segunda edição do festival, a equipe curatorial apresenta como proposta a concepção de labirinto, que surge em 3 momentos, o ser, o espaço-tempo, e o maquínico, como metáfora de uma cultura hiperlinkada. Esta concepção faz referência à conexão entre arteciência-tecnologia, para promover reflexões críticas e sensíveis a partir das mídias digitais.

Em 2015, o Festival acontece no MASM - Museu de Arte de Santa Maria e reúne as seguintes obras e artistas: Não é sobre sapatos (2014), instalação e videoarte de Gabriel Mascaro; EGOSHOT (2011) e BIOSHOT (2015), fotografias e videoarte de Flavya Mutran; Transcave (2015), instalação interativa de Matheus Moreno; Sonografia (2014), instalação sonora de Fernando Codevilla; Planetária (2013), software arte de Jack Holmer; Sem fim (2015), fotografia em movimento de Carlos Donaduzzi; Para onde vão as bolhas (2014) e Quatro Ilhas (2013), videoinstalação e escultura eletrônica de Joana Burd; Jardim Colaborativo de Fritz Müller (2015), videoinstalação de Yara Guasque; Matryoshkas (2015), gamearte de Andrei Thomaz; Santa Maria Invaders (2015), gamearte de Suzete Venturelli; EntreMeios (2014), videoinstalação do Labinter; Desertesejo (2000-2014), instalação interativa de Gilbertto Prado; e Espaço 2 (2014), gamearte de Bruna Dias.

Figura 3: Desertesejo (2000-14), Gilbertto Prado. (Brasil) Fotografia: Artista para LABART/UFSM

Figura 3: Desertesejo (2000-14), Gilbertto Prado. (Brasil) Fotografia: Artista para LABART/UFSM

Em 2015, o Festival acontece no MASM - Museu de Arte de Santa Maria e reúne as seguintes obras e artistas: Não é sobre sapatos (2014), instalação e videoarte de Gabriel Mascaro; EGOSHOT (2011) e BIOSHOT (2015), fotografias e videoarte de Flavya Mutran; Transcave (2015), instalação interativa de Matheus Moreno; Sonografia (2014), instalação sonora de Fernando Codevilla; Planetária (2013), software arte de Jack Holmer; Sem fim (2015), fotografia em movimento de Carlos Donaduzzi; Para onde vão as bolhas (2014) e Quatro Ilhas (2013), videoinstalação e escultura eletrônica de Joana Burd; Jardim Colaborativo de Fritz Müller (2015), videoinstalação de Yara Guasque; Matryoshkas (2015), gamearte de Andrei Thomaz; Santa Maria Invaders (2015), gamearte de Suzete Venturelli; EntreMeios (2014), videoinstalação do Labinter; Desertesejo (2000-2014), instalação interativa de Gilbertto Prado; e Espaço 2 (2014), gamearte de Bruna Dias.

3.3 Neurociência

Para a terceira edição do FACTORS, percebeu-se a necessidade de atualização da marca e projeto gráfico do evento, que se mantém nas edições seguintes. Com a renovação na equipe da curadoria compartilhada, e o trabalho conjunto de pesquisadores das áreas de Artes Visuais, Informática e Bioquímica, o Festival passa a convidar artistas internacionais, desta vez de Portugal e Argentina, e destaca um conceito específico para reafirmar a concepção transdisciplinar das exposições a partir de 2016. Nesse ano, tem como argumento curatorial a neurociência, que como conceito nomina o Festival: Neurociência e Arte, percepção como experiência sensível.

 

Cada estímulo sensorial possível ou concebível tem uma ‘história’ em virtude de sua relação ou semelhança com outros estímulos que temos experimentado no passado. (...) Isto significa que todos os estímulos externos percebidos ativam, mediante associação imediata, um conjunto de cógnitos perceptivos”.

 
Figura 4: The Assessment (2011/12), Maria Manuela Lopes (Portugal) Fotografia: Artista para LABART/UFSM

Figura 4: The Assessment (2011/12), Maria Manuela Lopes (Portugal) Fotografia: Artista para LABART/UFSM

Em 2016, o Festival ocorre na Sala Cláudio Carriconde CAL/UFSM e apresenta os seguintes artistas e obras: Mindscapes (2011), performance audiovisual de Fernando Velázquez; The Assessment (2011/12), videoinstalação de Maria Manuela; Jardim de Epicuro 2 (2014), instalação interativa de Tania Fraga; No fundo de tudo há um jardim (2012-2016), instalação de Mariela Yeregui; Compressão (2016), performance audiovisual de Fernando Codevilla, Fernando Krum e Rafael Berlezi; Não pare de assistir (2016), fotos em loop de Carlos Donaduzzi; Em Meio (2016) de Raul Dotto; Inutilidade Mecânica (2016), arte robótica de Rosangela Leote e Daniel Seda; e, NeuroBodyGame (2010), instalação interativa/computador vestível de Rachel Zuanon.

3.4 Bioarte

 

O FACTORS 4.0 tem como argumento curatorial o conceito de bioarte, que acolhe diferentes práticas artísticas produzidas através de seres vivos e recursos naturais em contato com meios e tecnologias artificiais. Essa concepção, mais recente no campo da arte contemporânea, pode ser entendida não apenas como uma pesquisa da área da arte entrelaçada com a área da biologia, mas, também, da biotecnologia e da bioengenharia, propiciando relações transdisciplinares. Como proposição artística, a bioarte pode ser considerada como um conceito transversal para pensar a arte, a ciência e a tecnologia, suas implicações políticas e éticas. Nesse sentido, as obras/projetos promovem um diálogo entre o natural e o artificial, em que os paradigmas da bioarte funcionam como uma plataforma de desdobramento ou, ao contrário, como termo de oposição, confrontação e contraponto crítico. Estas obras geram no conjunto do interesse transdisciplinar questões sobre o entorno e os sistemas interativos, aproximando de modo instigante, e nem por isso menos conflitante, a investigação artística e científica.

 

Nesta quarta edição, a curadoria compartilhada11 do Festival tem como foco a bioarte para ampliar a discussão em torno das conexões que promovem a transdisciplinaridade nas três áreas de conhecimento. A bioarte pode ser entendida então a partir de uma classificação baseada em carbono, mas na confluência da arte, a tecnologia e a biologia. Nesse sentido, qual seria a compreensão do conceito no campo das poéticas híbridas, na área das artes visuais? Como um movimento, uma linguagem? Nem um, nem outro. Talvez possa vir a constituir-se como uma, entre outras, tendência da produção em arte-ciência-tecnologia na arte contemporânea.

 

A teorização da bioarte como ‘movimento artístico’ é uma questão controvertida, que reproduz a clássica comparação entre as artes, gerando a oposição entre as práticas artísticas, que será fundamental para a exploração das características da bioarte, assim como de suas distintas tendências.

 
Figura 5: Bot_anic (2012), Guto Nóbrega e NANO (Brasil) Fotografia: LABART/UFSM

Figura 5: Bot_anic (2012), Guto Nóbrega e NANO (Brasil) Fotografia: LABART/UFSM

Para a edição de 2017 do Festival, que acontece na Sala Cláudio Carriconde e hall do CAL, foram selecionadas as obras e artistas: Robôs Mistos (2016), arte robótica do Grupo Robots Mestizos; Edúnia (2003-2008), bioarte/vídeo de Eduardo Kac; Jardim colaborativo de Fritz Müller em Open Frameworks (2017), instalação interativa de Yara Guasque e Kauê Costa; Trans(forma)ação Assistida (2017), instalação natural de Rebeca Stumm; Bot_anic (2012), bioarte/robótica de Guto Nóbrega e o grupo NANO; PLNT3 (2017), instalação de Raul Dotto e Walesca Timmen; Rizosfera FM (2016), instalação sonora de Gabriela Munguía e Guadalupe Chávez; Ausculta (2017), instalação audiovisual de Fernando Codevilla e Leonardo Arzeno; Rio Callado (2017), instalação de Paula Guersenzvaig; Evolução de uma partida (2015-2016), de Ana Laura Cantera; e Máquinas de Choque 1 (2016), objeto participativo, Gilbertto Prado e o Grupo Poéticas Digitais. [2]

3.5 Arte e Sustentabilidade

 

O FACTORS 5.0 tem como tema (bio) arte e sustentabilidade e reúne em 2018 sete obras de artistas brasileiros e estrangeiros. Embora nem todas as exposições de arte sejam completamente sustentáveis, isso não impede que se possam realizar mostras com o tema da sustentabilidade, suas implicações sociais, políticas, estéticas e éticas. Nesse sentido, as obras podem provocar aos visitantes não apenas uma inquietação diante da arte contemporânea que dialoga com a biologia e a tecnologia, mas, também, um engajamento com propostas alternativas de exposições artísticas que colaboram com requisitos de uma ecologia sustentável.

 

A quinta edição do Festival tem como estratégia das curadoras ampliar o conceito anterior de bioarte para (bio)arte e sustentabilidade, considerado uma demanda de pesquisa e também uma proposta institucional da UFSM. Para esta edição, o evento vincula-se à agenda da ONU 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, visando atingir os objetivos 4 - Educação de Qualidade e 12 - Consumo e Produção Responsáveis.

 

Para Demos (2012) [2], as exposições dedicadas à sustentabilidade são fundamentalmente contraditórias, pois embora procurem lidar com a mudança climática e trabalhem em busca de soluções criativas, contribuem para o problema do aquecimento global em virtude do carbono, dos resultados do transporte de obras de arte, dos catálogos e impressão para o espaço expositivo (...). Pode-se concluir que as exposições ecológicas são simplesmente inviáveis do ponto de vista ambiental. No entanto, se esta resposta é inadequada e irrealista, (tanto quanto insistir na suspensão imediata de todas as tecnologias insustentáveis, em vez de trabalhar gradualmente para um estado de sustentabilidade) precisamos, no mínimo, considerar apenas o que justifica a continuação do insustentável. Nesse caso, exposições de arte comprometidas com o tema da sustentabilidade.

 
Figura 6: Tradescantia (2018), Cláudia Valente (Argentina) Fotografia: Artista para LABART/UFSM

Figura 6: Tradescantia (2018), Cláudia Valente (Argentina) Fotografia: Artista para LABART/UFSM

Para 2018 o evento, que ocorre na Sala Cláudio Carriconde/CAL e Planetário, conta com as seguintes obras e artistas brasileiros, argentinos e mexicanos: Nós abelhas (2015), instalação participativa de Malu Fragoso; RearWindow (2018), gravura/bricolage de Helga Correa; Protocélulas//semivivos (2018), instalação de Federico Hemmer; Natureza e Arte (2018), fotografia de Raquel Fonseca; Tradescantia (2018), instalação tecnológica de Cláudia Valente; Colonia (2014-2018), bio instalação-sonora de Darío Sacco (Argentina); Geoformações (2018), arte digital fulldome de Camila Zappe e Calixto Bento.

3.6 Luz_Energia

O FACTORS 6.0 apresenta a sua sexta edição do Festival, como as demais, sempre em agosto, mês da cultura na cidade de Santa Maria. Traz o conceito de luz e energia como argumento curatorial. A energia entendida como um fluxo potencial da natureza, uma experiência sensorial que faz do fenômeno artístico um projeto dinâmico; relacionada à luz surge como resistência ecológica e social. Nesta edição, o evento segue divulgando a agenda da ONU 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

 

Pensar o conceito de luz e energia para uma exposição em arte ciência e tecnologia, é também proporcionar um caminho distinto na relação do público com a obra, pois a experiência do visitante se dá pela intensidade de percepções, ora pulsantes, o que pode desencadear um estado de desorientação, ora contínuas, o que pode causar uma sensação de conforto. Mas, sempre como uma potência sensível, uma experiência aberta à interação. (FACTORS 6.0, 2019)

 
Figura 7: Luz_Arte imersiva - Frequência do Invisível (2019), Sabrina Barrios (Brasil/EUA) Fotografia: LABART/UFSM

Figura 7: Luz_Arte imersiva - Frequência do Invisível (2019), Sabrina Barrios (Brasil/EUA) Fotografia: LABART/UFSM

Para 2019, o Festival acontece na Sala Cláudio Carriconde/CAL, Planetário e mantém vinculo com o MASM. Apresenta as obras e artistas brasileiros, argentinos e venezualana: Transfiguración (2019), instalação e performance, de Gabriel Gendin e Gisela Biancalana; Rueda del Infortunio 2 (2019), instalação de Leo Nuñez; Espaço Interior (2012), vídeo mono-canal de Luiz Duva; Contenedor de lugares (2019), objeto/tecido/bordado e fio condutor, de Marlin Velasco; Fotogenia (2019), fotografia/caixa de luz de Raquel Fonseca; Viridis (2019), instalação interativa de Rosangela Leote; Luz_Arte imersiva - Frequência do Invisível (2019), instalação imersiva de Sabrina Barrios; l’ombre portée [off-cells] (2019), instalação de Sandra Rey.

4 Estratégias Curatoriais?

Como estratégias curatoriais do FACTORS, tanto a concepção de transdisciplinaridade, abordada a partir de conceitos específicos a cada edição, quanto a curadoria compartilhada, tem apresentado bons resultados nestas seis primeiras edições do evento. Mas os desafios que cada um dos Festivais impõe trazem problemáticas distintas, ao mesmo tempo questionadoras e enriquecedores à equipe do LABART, ao conjunto de pesquisadores envolvidos e daqueles em formação, tanto no Brasil quanto na Argentina.

Entre elas, o trabalho conjunto de pesquisadores das áreas de Artes e Bioquímica, por exemplo, com formações diferentes, pontos de partida e de chegada tão distantes na pesquisa artística e científica, que precisam se entender para colaborar em projeto comum que deve gerar unidade, ainda que complexa, no resultado: a terceira edição do evento que tratou de neurociência.

Cada novo projeto curatorial do Festival estabelece outras conexões, aponta desafios para não se apresentar como modelo e, sobretudo, se atualiza para contribuir com sua área de investigação mais imediata, a crítica, a teoria e a história da arte.

 

Segundo Groys [6] (p. 26), cada projeto curatorial tem como objetivo contradizer a narrativa prévia da história da arte tradicional, porque se tal contradição não tem lugar, o projeto curatorial perde sua legitimidade.

 

Os projetos curatoriais do FACTORS têm como preocupação não apenas contradizer qualquer narrativa tradicional, quando se propõem transdisciplinares, mas também não gerar outra narrativa, ainda que contemporânea. Nesse sentido, as estratégias curatoriais contribuem tanto para pensar o pertencimento da produção em arteciência-tecnologia no campo da arte contemporânea, quanto para questionar como acontece este pertencimento, diante de uma história da arte que pode tratar o local na perspectiva do global. De certo modo este Festival iniciado no sul do Brasil em 2014, apontando um regionalismo na nomenclatura factoRS, já apresenta obras de artistas nacionais reconhecidos internacionalmente, assim como de emergentes no Brasil. O FACTORS, que desde 2016 ampliase com a participação de artistas da Argentina, Venezuela, México e Portugal, integra em 2017 e também em 2019, como km1055 o marco da BIENALSUR. A Bienal Internacional de Arte Contemporáneo de América del Sur que se propõe colaborativa, descentralizada, baseada em uma cartografia que inclui vários países, inúmeras cidades, diversas sedes, com curadores e artistas de todos os continentes. O Festival de Arte-Ciência-Tecnologia, como evento integrante desta bienal, colabora para fortalecer a noção política de pertencimento cultural de artistas e obras, da arte contemporânea, desde o sul da América Latina.

REFERENCES

[1] Hans.Belting, (2006). O fim da história da arte. São Paulo : Cosacnaify,

[2] T. J. Demos (2012). Art After Nature on the post natural condition. ArtForum, p.191-198.In: http://tomorrowmorning.net/texts/demos_artafternature_artforum.pdf [3] Cristina Freire (org). Walter Zanini. Escrituras Críticas. São Paulo: Anna Blume/Mac USP, 2013, p. 79-80.

[4] Joaquín.Fuster (2015), Neurociencia. Los cimientos cerebrales de nuestra libertad. Cidade do México: Paidós.

[5] Jérôme.Glicenstein (2015) L’Invention du Curateur. Paris : Presses Universitaires de France,

[6] Boris Groys (2016). Arte en Flujo. Buenos Aires: Caixa Negra.

[7] Anna Maria.Guasch (1989-2015) El Arte en la Era le lo Global Barcelona: Alianza, 2016.

[8] Hans Ulrich.Obrist (2014) Caminhos da curadoria. Rio de Janeiro, Cobogó.

[9] Christiane.Paul (2008) New Media in the White Cube and Beyond. Curatorial models for digital arts. Los Angeles : University of Califórnia Press.

[10] Daniel Lopez Rincon (2015). Bioarte. Arte y vida en la era de la biotecnología. Madri: AKAL

[11] Nara Cristina Santos (2018). YEREGUI, Mariela. FACTORS 4.0 é BIENALSUR. Catálogo. http://coral.ufsm.br/editorappgart/images/Noticias/Catlogo_FACTORS_OK1.pdf

[12] Nara Cristina; Santos, Mariela.Yeregui ( 2018) FACTORS 5.0. Catálogo. http://coral.ufsm.br/editorappgart/images/Noticias/Catlogo_FACTORS_5.0.pdf

[13] Edward.Shanken (2009) Reprogramming Systems Aesthetics: A Strategic Historiography. In: http://escholarship.org/uc/item/6bv363d4.

[14] Terry Smith (2015). Talking Contemporary Curating. New York: ICI.

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Nara Cristina dos Santos

Pós-Doutorado em Artes Visuais, Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ (2012). Doutora em Artes Visuais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS (2004) e Doutorado Sanduiche na Paris 8, França (2001). Mestre em Artes Visuais, UFRGS (1997), Bacharel em Desenho e Plástica (1990) e Licenciada em Educação Artística na Universidade Federal de Santa Maria/UFSM (1988). Professora do Departamento de ArtesVisuais/DART (1993-), Centro de Artes e Letras/CAL/UFSM, onde atua no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais/PPGART e na graduação, Bacharelado e Licenciatura em ArtesVisuais. Coordenadora do PPGART (2007-2011). Pesquisadora na área de Artes Visuais, em História e Teoria da Arte Contemporânea, em Curadoria e Crítica, com ênfase transdisciplinar em Arte, Ciência e Tecnologia. Lidera o grupo de pesquisa Arte e Tecnologia/CNPq, coordena o Laboratório de Pesquisa Arte Contemporânea, Tecnologia e Mídias Digitais/LABART (2005-). É organizadora e curadora do Festival de Arte, Ciência e Tecnologia/FACTORS (2014-). Integra os grupos de Pesquisa GIIP/UNESP e REDE/UFRJ. Colaboradora no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais/PPGAV/UFRGS (2015-). Mantém parceria com LAA/INBA México (2017-2018), UNTREF/BIENALSUR Argentina (2017- ) e UA Portugal (2019-). Avaliadora na área de Artes INEP/MEC (2007-2015). Integra o GT Arte Digital/MINC (2009-2011). Consultora da CAPES para área de Artes. Membro do Comitê Brasileiro de História da Arte/CBHA, da Associação Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas/ANPAP. Presidente da ANPAP no Biênio 2015-2016.

@naracris.sma