A exposição Apesar de da artista Julia Amaral é resultado de um processo cultivado ao longo de alguns anos. Tudo começou com a busca por uma pena de qualquer ave para a disciplina de fundição em metal, ainda durante sua graduação em artes visuais. Acabou encontrando um pássaro morto no próprio ninho, engasgado com um fio de náilon. Deste encontro com a morte passou a conceber insetos e bichos em esculturas de animais. A artista define este momento como crucial para o seu processo de criação com a técnica de fundição em cera perdida. “Aquele pássaro significou muito pra mim. Com ele usei uma técnica de fundição escultórica antiquíssima e clássica. Ele precisava ser de metal, ele precisava ser fundido, não poderia ter sido feito de cerâmica, de gesso, ou ser uma foto ou um desenho. Ele é único e sem reprodução. Não passa por uma mediação, por uma elaboração formal”, esclarece Julia.
Assim, surgiu o primeiro elemento da série Apesar de, composta de esculturas e adesivos. “Os besouros foram os insetos que me fisgaram para dar continuidade às esculturas em fundição. Quase dois anos se passaram entre a realização do pássaro e o início da série Apesar de. Diferente da maneira usual de fundição em cera perdida, onde se costuma modelar a peça e depois tirar um molde em cera e usá-la como matriz, Julia elimina uma etapa da técnica tradicional, com o uso do próprio corpo do inseto, do bicho como matriz. A artista explica que usa “o elemento da natureza, a coisa em si, um besouro, uma lacraia, um pássaro e não uma modelagem. Desta forma trago para o trabalho a riqueza de possibilidades de um contato direto.”
O processo de moldagem, da-se com “a ausência do inseto morto (que teve seu corpo queimado dentro do molde)”, assegura Julia Amaral. Depois disso, o vazio é preenchido pelo metal quente e líquido que toma a sua forma e em seguida esfria e endurece. Para retirar a peça do molde é necessário quebrá-lo, perdendo de vez o molde e também a possibilidade de reprodução: a peça é necessariamente única, assim como o indivíduo que lhe deu origem. Não há como multiplicá-los, ou, reproduzí-los.
No seu trabalho, Julia aborda questionamentos acerca do irreversível apodrecimento, mesmo que não queira eterniza-los. Os insetos e outros pequenos bichos transformados em corpo de metal penetram num outro campo, outro tipo de processo de decomposição, de duração mais longa. No ínterim deste complexo procedimento técnico não há comedimento, a fundição tem um comportamento próprio, principalmente ao se tratar de uma ‘subversão’ da técnica. Como ela utiliza o corpo do próprio animal, abre margem para uma gama bem maior de erros e surpresas. “As coisas saem do controle e os resultados são diversos.
Inúmeras vezes perdi insetos porque a fundição não deu certo.”, completa. Suas formas também não ficam perfeitas sempre, o molde entope em alguma parte, o gesso infiltra, perde-se detalhes de asas, patas… As superfícies ficam irregulares e corroídas e os insetos continuam frágeis. Ela nunca dá acabamento às esculturas, não tenta imitar texturas e nem polir, eles ficam como saíram do molde. Os próprios animais não são mexidos e vão para a fundição do jeito que foram encontrados, patas retraídas, corpo curvado, rabo quebrado. A moldagem é um processo direto de impressão que, reforçado pela falta de acabamento, anula a mediação e a distancia. É feito às cegas. Mesmo tendo sido transformados em metal, os bichos continuam frágeis e precários.
Seu trabalho é de ourivesaria, tamanho o cuidado e a delicadeza das peças. Mesmo já tendo exposto Apesar de em outras cidades e locais, esta será a primeira vez que apresentará a série completa, agora também com grilos, mariposas, borboletas e libélulas, que ultrapassam o número de 100. Nos arredores do espaço expositivo, Julia também fará uso dos seus conhecidos urubus – feitos de adesivo vinil – que irão pousar por ali durante a sua individual.