Entrevista com Regina Parra - Mostra Entre Margens
*Entrevista realizada originalmente em formato vídeo.
Regina, você poderia se apresentar um pouco? Falar sobre os assuntos que você trabalha.
Olá, eu sou a Regina Parra. Trabalho com vídeo, pintura, instalação e no momento estou fazendo performance. Eu acho que os assuntos que eu abordo variam um pouco, embora eles tenham uma conexão.
Passei um bom tempo pesquisando imigração em São Paulo e agora eu estou mais focada na pesquisa relacionada ao corpo, pensando o corpo como um lugar de vulnerabilidade e também de resistência. Agora estou mais imersa nessa pesquisa do corpo da mulher, mas ainda estou no início dela.
Você já transitou por diferentes lugares da Arte. Nos fale um pouco sobre a sua formação acadêmica.
Eu iniciei a minha formação com o Teatro. Cursei Artes Cênicas na ECA e depois de trabalhar na ECA eu me tornei assistente do Antunes Filho e lá permaneci durante três anos. Quando eu saí desse período lá no CPT, eu fui morar no Rio de Janeiro e aí comecei a fazer alguns cursos no Parque Laje. Foi neste período que eu me interessei mais pelas Artes Plásticas.
Em seguida eu fui cursar Artes Visuais na FAAP e lá me formei. Na sequência, eu cursei Mestrado em Teoria e Crítica da Arte e também fiz um curso de pintura em Paris.
Você poderia nos dizer como foi a experiência de produção do trabalho “7.536 passos” que está sendo apresentado aqui na Videoinstalação Entre Margens?
Esse trabalho foi comissionado pela Fundação Joaquim Nabuco, em Pernambuco, e o fato de ser premiado me possibilitou que eu pudesse trabalhar bastante com ele.
Quando resolvi fazer este trabalho eu já estava em contato com a comunidade boliviana que vivia em São Paulo. É uma grande comunidade, são mais de 300 mil pessoas que moram em São Paulo, no entanto, por maior que seja essa comunidade, eles são invisibilizados por uma série de mecanismos que a cidade dispõe.
No meio dessa pesquisa, eu descobri que eles tinham várias Rádios Pirata, todas voltadas para a comunidade, ou seja, que tocam músicas bolivianas e oferecem emprego, por exemplo. É uma maneira de eles se comunicarem, manterem a cultura. Na época, eu fiquei um pouco obcecada por essa rádio, ficava ouvindo o tempo todo e essa ideia de rádio pirata e do chiado começou a me parecer uma possibilidade de trazer essa comunidade um pouco mais à tona.
Então eu pensei em fazer o vídeo e ele busca mostrar como a gente está muito próxima dela. O meu atelier é no Centro. Do Centro até o Brás - que é o onde vive essa comunidade - são 20 minutos, que também é a duração do vídeo, mas é como se fossem dois países e com um abismo gigantesco. O vídeo procura mostrar essa vontade de encontro.
Ele inicia comigo na Praça da Sé, o marco-zero de São Paulo, carregando um rádio que está sintonizado em uma faixa que é da rádio pirata e, conforme eu vou caminhando, nós começamos a ouvir os sons e a sintonizar com a Impactos Calientes que é essa rádio pirata boliviana.
É a primeira vez que você une todos os seus trabalhos audiovisuais. Como está sendo essa experiência?
Eu estou bem animada porque é a primeira vez que estou fazendo. Como eu trabalho com outras coisas, como a pintura, é curioso porque eu não penso em fazer somente vídeo. Eles acabam aparecendo ao longo da pesquisa e da necessidade. Como eles aparecem em momentos isolados, eu nunca vi esses trabalhos todos juntos e isso está sendo lindo. Tentar entendê-los juntos e ver o que poderá surgir a partir daí.
Eu acredito que o trabalho só existe quando ele está instalado e quando nós conseguimos ter uma relação com ele. Acho que vai ser uma experiência linda.
Nos conte um pouco mais sobre a relação do seu trabalho plástico e o audiovisual.Acho que tem mais a ver com as intenções. Eu comecei fazendo pintura, mas ela nunca foi uma pintura “pura”. Ela sempre foi mais “contaminada” por outras linguagens. No início eu comecei a fazer pintura a partir de fotografia, depois eu fui fazer pintura a partir de vídeo e aí eu passei a perceber que o vídeo também poderia ser uma linguagem. Acho que são duas linguagens para tratar de assuntos que me interessam.
Normalmente, eu estou imersa em uma pesquisa e aí fico pensando em qual é a melhor maneira de formalizar essa pesquisa. Às vezes, a pintura é a melhor maneira e, às vezes, a pintura não dá conta. Isso também foi algo importante quando eu percebi que a pintura não irá dar conta de tudo e que você também necessita de uma outra ferramenta. Essa outra ferramenta é o vídeo.
A minha pintura é super narrativa, ela tem vários pontos em comum com o vídeo. Visualmente, ela bebe muito no vídeo, então eu gosto dessa aparência como se fosse a resolução de um vídeo, mas há coisas que a pintura não dá conta, então o vídeo vai dar conta e vice-versa.
Quais seriam as temáticas que mais te interessam no seu trabalho?
Eu tenho um interesse em trazer visibilidade para questões, pessoas ou situações que normalmente não são vistas. Isso é um pouco o lugar da Arte. O lugar da Arte é o lugar da exceção. De olhar para aquilo que não está sendo visto, que não está sendo falado, para as pessoas que não estão sendo ouvidas. E aí nós entramos nestes assuntos que têm me interessado ultimamente.
A imigração, por exemplo, é um destes assuntos. Pensando nessa situação de encontrar uma pessoa que é tida como “estrangeira”, como “o outro”, algo que eu sempre tento fazer é desconstruir ou questionar estes conceitos que nós temos. Até que ponto que é “o outro”? Porque quando você fala que é o outro, você já está categorizando e colocando em um lugar que impossibilita uma troca mais recíproca ou real.
Ou mesmo quando nós falamos da mulher, da questão de gênero, há uma série de padrões e pensamentos que tentamos desconstruir. Um dos meus interesses com ou meu trabalho é tentar pensar como ele trabalho pode, de alguma maneira, fazer nós olharmos para estas questões de outro jeito, criar fissuras de pensamento e então, abrir espaço para um outro olhar sobre a questão de gênero, do estrangeiro ou de uma cidade como São Paulo.Abrir brechas em um sistema que é muito rigoroso e cruel. É sobre como nós conseguimos encontrar caminhos.
Como foi receber o convite do O Sítio para essa videoinstalação?
Quando eu recebi o convite eu fiquei muito animada porque eu vim para Florianópolis há muito tempo e foi a passeio, então eu tive uma experiência breve com a cidade. Embora eu tenha alguns amigos aqui e eu tenha feito uma exposição no MASC com o Josué, eu não estive presente. Então sempre ficou essa vontade de voltar para Florianópolis.
Eu também fiquei especialmente curiosa e animada com a possibilidade da Mostra de Vídeo, de ver como isso vai acontecer. Esse caráter experimental do convite me deixou bem animada.
SERVIÇO:Entre Margens: Mostra de videoarte de Regina ParraVernissage: 04/10 - Horário: 19h - Bate-papo: 20h30Visitação: de 5 a 27 de outubro (quartas, quintas e sextas das 17h às 21h e sábados das 14h às 20h)Entrada francaOnde: O Sítio - R. Francisca Luiza Vieira, 53 - Lagoa da Conceição.