Paisagens Pandêmicas de Álvaro Diaz
A experiência A pandemia chegou aos poucos, vinda do oriente pelo noticiário. A princípio sem alarde e sem aviso, subitamente recobriu nossas vidas em todos os seus recônditos. O invisível se fez presente, fragilizando nossas relações, deixando evidentes nossas vulnerabilidades, precarizando nossas relações afetivas e econômicas.
Essa inverossímil realidade preencheu nosso cotidiano com ruídos da ausência e sons do silêncio, misturando nossa percepção, fundindo os tempos, deixando em suspenso o instante presente, ressignificando o passado e debilitando o futuro. Há apenas a desaparição e a estranheza de uma paisagem antes familiar e habitada, agora impessoal e esvaziada. A humanidade se faz presente apenas pelos seus vestígios e suas cicatrizes abertas na paisagem desértica. Representações visualmente sincopadas e interrompidas, traduzidas por uma cacofonia visual com o fracionamento deliberado da paisagem. Esses lugares monocromáticos, fronteiriços a vias expressas, ressaltam sua estrutura de exclusão que fortalece e reitera as hierarquias raciais e econômicas, agora evidenciadas pela pandemia. Senti nesse vácuo silencioso o quanto esses limites territoriais restringem o movimento e criminalizam a transgressão, tornando-a até mesmo impossível de se alcançar. Já não é mais a experiência o que me lembro, mas sim das imagens que fiz dessa vivência. Elas criaram memórias subversivas, pois mentem o tempo todo. Essas únicas lembranças que tenho tornam possível essa convocação de um sentido de tempo superposto e distópico, uma imersão na experiência da linha indistinguível entre insight visionário e suprema insanidade desse mundo misterioso, intangível e secreto.
O Projeto
Trata-se de uma instalação audiovisual chamada "Paisagens pandêmicas" São imagens em preto e branco projetadas em grande formato. A trilha sonora é a leitura por mulheres de um texto de minha autoria traduzido para 24 línguas, ditando o ritmo da projeção. O texto lido é um excerto da introdução: “O invisível se fez presente, fragilizando nossas relações, deixando evidentes nossas vulnerabilidades, precarizando nossas relações afetivas e econômicas.
Essa inverossímil realidade preencheu nosso cotidiano com ruídos da ausência e sons do silêncio, misturando nossa percepção, fundindo os tempos, deixando em suspenso o instante presente, ressignificando o passado e debilitando o futuro. A humanidade se fez presente apenas pelos seus vestígios e suas cicatrizes abertas na paisagem desértica."
O processo
Esse trabalho foi inicialmente concebido para ser uma projeção simples de fotografias de paisagem feitas durante a pandemia, com fotos emolduradas na parede e o catálogo com texto. Durante as fases do seu desenvolvimento, foi se desdobrando e se transmutando nessa instalação com áudio e imagens da qual resulta um vídeo. O trabalho foi se constituindo à medida em que foi sendo feito, um processo recorrente nas minhas instalações, privilegiando a abertura ao inusitado. Ou, nas palavras de Agnés Varda, "o acaso tem sido um ótimo amigo". Assim, esse trabalho acabou ganhando esse recorte de instalação, um formato não planejado que eu permiti que acontecesse. Por uma questão de coerência conceitual, não apostei em um plano muito detalhado, mas num esboço impreciso. Essa incerteza é a tradução de um estado permanente de busca em encontrar algo que faça sentido existir e compartilhar. As diversas línguas dão o tom do caráter global da pandemia e sua inerente percepção em diferentes lugares e culturas do mundo. A estranheza causada pela incompreensão da maioria dos idiomas empresta uma dimensão do seu impacto em diferentes culturas e países. Por fim, as linhas que norteiam esse projeto são a valorização da vivência subjetiva durante a pandemia; o vídeo como meio para provocar a expressão e a palavra como via de apropriação da experiência. Álvaro de Azevedo Diaz, agosto de 2020
Agradecimentos especiais: Esse trabalho foi feito com a colaboração e cooperação de diversas pessoas. A começar pela curadoria de Lara Sabatier, de quem partiu o convite para participar dessa exposição na Casa Melchor Pinto, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Também quero expressar meus agradecimentos à Sarita Mansilla e à Analía Villarroel Leigue, da Casa Melchor Pinto, pela intermediação, disponibilidade e entusiasmo para fazer esse trabalho acontecer. Meus agradecimentos também ao Luiz Felipe Soares pelo interesse, empenho e bons conselhos, e a Alan Stone, responsável pela edição e finalização do vídeo, mas também por muitas sugestões e observações, várias delas adotadas. Por fim, mas não menos importante, o meu sincero agradecimento às 24 mulheres que abraçaram a minha causa e deram a sua voz para interpretarem o meu texto. Elas são parte vital desse trabalho.
Álvaro de Azevedo Diaz Florianópolis, agosto de 2020.
Guia das Leitoras Línguas/leitoras
1. Galego Raquel Miragaia Rodríguez
2. Guarani Mbya Eliziane Jera Antunes
3. Ava Guaraní Haydee Villalta Rojas
4. Castelhano Espanha Luci Nussbaum Capdevila
5. Catalão Olga Coronado
6. Mojeño Trinitario Mariluz Guaji Mosua
7. Japonês Masako Tanaka
8. Alemão Irina Sabatier
9. Russo Oksana Vladimirovna Gudzenko Duarte
10. Francês Lara Sabatier
11. Búlgaro Stefka Miteva
12. Changana Ezra Nhampoca
13. Hebraico Avital Gad-Cykman
14. Árabe Elena El Khawand
15. Português Brasil Dalila Vieira Coutinho
16. Português Moçambique Juvita Stela Alberto Ngovo
17. Inglês UK Charlotte West
18. Português Portugal Mia Galhardas
19. Tcheco Denisa Corte Real